A Cadela do Estado disse:
Era uma vez um coelho chamado Nimbo.
Ele vivia em uma floresta onde tudo parecia bonito, mas escondia perigos silenciosos. As flores tinham perfumes que envenenavam, os frutos mais coloridos eram amargos como fel, e até a água dos riachos trazia consigo um gosto estranho de ferrugem e dor.
Os outros animais fugiam do que fazia mal. Corriam sempre em busca de algo puro, mas Nimbo percebia que quanto mais tentava se proteger, mais fraco ficava. Então ele fez o contrário: começou a tomar pequenos goles do veneno da floresta. Um pouco da água amarga, um pedaço da fruta tóxica, o pólen que fazia os outros tossirem. No início quase morreu, seu corpo tremia, seus olhos escureciam. Mas, com o tempo, ele foi se transformando.
O veneno que destruía os outros começou a fortalecê-lo.
Suas patas ficaram mais firmes, seu pelo brilhou como prata e seus olhos enxergavam a noite inteira. Nimbo descobriu que o que matava uns podia ser a cura para ele — não porque o veneno fosse bom, mas porque ele aprendeu a suportar aquilo que ninguém mais suportava.
Com isso, o coelho passou a proteger os demais. Ele era o único capaz de atravessar o campo envenenado e trazer de volta a água menos suja, ou derrubar as frutas perigosas para que ninguém as comesse por engano. Mas dentro dele havia uma dor secreta: para sobreviver ao mundo, ele precisou se acostumar com o que fazia mal.
Um dia, Nimbo olhou para o céu e pensou:
— Será que eu vivo de verdade… ou apenas sobrevivo?
E desde então, ele caminha pela floresta com essa dúvida, entre o remédio e o veneno, entre a força e a solidão.