エピソード

  • Angola, 50 anos depois: o legado e o futuro
    2025/11/12
    Cinquenta anos após a independência, Angola debate o significado da liberdade. O filósofo Domingos da Cruz lembra que o país conquistou a terra, mas não os direitos prometidos. Em 2015, o caso 15+2 expôs o autoritarismo e os limites da democracia. A memória oficial, diz o investigador Vasco Martins, silencia vozes e heróis esquecidos. Em Cabinda, Raúl Tati fala em “nova colonização”. Meio século depois, Angola vive entre orgulho e desencanto, resistência e esperança. Em Novembro de 1975, Angola tornou-se livre. Meio século depois, o país olha para trás e confronta duas verdades que coexistem: a libertação de um território e a persistência de um défice profundo de direitos. Entre avanços económicos intermitentes e desigualdade estrutural, a pergunta “o que significa ser livre?” continua a ecoar nas ruas, nas canções e nas vozes de quem nunca desistiu de reivindicar o seu sentido. O filósofo e activista Domingos da Cruz, um dos 15+2 detidos em 2015 por defenderem a mudança pacífica e a liberdade de expressão, faz um balanço severo do percurso pós-colonial. Reconhece que a independência cumpriu o essencial no plano territorial, mas falhou no plano dos direitos. “A ideia dos angolanos terem a posse do território no sentido físico”, recorda. “Um dos pais da independência, Holden Roberto, o seu movimento FNLA tinha como lema liberdade e terra. Isso efetivamente concretizou-se. Nesse sentido, quando combinamos esse espaço, esta terra, a presença de um povo e as instituições que funcionam como elas, como é óbvio, são demasiado conhecidas as disfuncionalidades institucionais de Angola. Não basta a existência e o controlo de um território no qual habita um povo e instituições disfuncionais, é necessário que esse povo desfrute os direitos fundamentais básicos sobre os quais faziam referência durante o período da luta anticolonial. Esses sim, esses direitos, infelizmente, não se concretizaram.” O caso dos 15+2 ficou, para muitos, como o retrato dos limites da liberdade em Angola. Para Domingos da Cruz, a prisão foi o momento em que a ilusão caiu: “Acho que o momento em que nós fomos presos, o caso em si, para mim representava uma espécie de ponto de não retorno. Mas, ao mesmo tempo também se pode concluir que a luta pela liberdade, a luta contra a ditadura que nos permitirá transitar para a democracia dependerá exclusiva e efetivamente do povo angolano. Ou seja, é a luta interna que vai determinar a nossa libertação.” Mesmo no exílio, o autor mantém esperança, ainda que uma esperança sem chão sob os pés. “Hoje não se pode falar efectivamente em liberdade. Podemos falar em resistência, não é? Aqueles que se posicionam contra a forma como as coisas vão seriam os resistentes, mas não estariam a viver a condição de liberdade no sentido físico. Embora possamos falar de uma liberdade interior. Há um futuro que é muito baseado na ideia puramente humana, no sentido de não podermos perder esperança. Mas é preciso darmos vazão à esperança infundada. Essa é uma esperança infundada que eu me refiro, sem qualquer base a partir da qual podemos nos agarrar, que não seja só mesmo uma natureza humana.” A disputa sobre a liberdade também se trava no terreno da memória. O investigador Vasco Martins tem estudado a arquitectura simbólica do país: heróis, mitos e silêncios, e como ela moldou a identidade oficial. “As lógicas do heroísmo, da moralidade e da virtude, portanto, dos valores essenciais para aquilo que era o novo país que o MPLA foi construindo, vão-se criando heróis, ou seja, personagens modelo, homens e mulheres (muito mais homens que mulheres) que se pautavam por estas características todas.” Mas fora dos grandes memoriais erguidos pelo Estado, corre uma memória popular, fragmentada e, cada vez mais, digital. Vasco Martins descreve o desfasamento entre o monumento e a cidade que o rodeia: “O memorial António Agostinho Neto é em larga medida visitado por crianças de escola com visitas organizadas e por turistas. E o trabalho que nós fizemos sobre o memorial mostrou dois elementos complicados para a possibilidade de disseminar uma memória com a qual os angolanos se identifiquem. Um deles é que, na esmagadora maioria das entrevistas que há, a única pessoa que aparece é Agostinho Neto. Portanto, a ideia que passa é que foi Agostinho Neto, sozinho, que combateu, trabalhou, negociou e trouxe a independência a Angola. Isso não só silencia a FNLA e a UNITA, mas também quadros importantíssimos do próprio MPLA.” O investigador acrescenta que o memorial é ainda marcado por um “aparato policial muito grande nas portas daquele espaço, sobretudo com a guarda do Presidente da República, militares armados, etc.”. Além disso, situa-se “num sítio muito pouco acessível, onde os angolanos realmente não passam”, e impõe “um código estético de vestuário que os angolanos ...
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  • Mulheres e juventude: os herdeiros da independência
    2025/11/11
    Angola celebra 50 anos de independência entre memórias de luta e desilusões. Bonga recorda a emoção de 1975, mas lamenta “não termos motivo para comemorar”. Mulheres como Henriqueta Pedro e activistas como Sizaltina Cutaia e Laura Macedo expõem desigualdades e silêncios. Meio século depois, Angola continua a procurar a liberdade plena que o sonho da independência prometeu. Angola assinala esta terça-feira meio século de independência, cinquenta anos de uma história marcada por lutas, esperanças e reinvenções. Mas, para muitos angolanos que herdaram o sonho de 1975, a realidade de hoje nem sempre corresponde à promessa da liberdade. Poucos nomes traduzem tão bem essa travessia como Bonga, voz incontornável da identidade nacional e testemunha de todos os tempos da pátria. O músico recorda que, no dia da independência, se encontrava em Paris, “com o meu grupo, porque já havia começado uma faceta muitíssimo importante que depois ficou por uma data de anos, continua”, e confessa que recebeu a notícia “com a lágrima no canto do olho, muita emoção, abraços fraternos”, mas também com inquietação: “sobretudo o pensamento de qual seria o futuro da nossa terra, da nossa gente”. Meio século depois, o balanço é amargo. “Esse futuro foi aquilo que a gente menos esperou e menos cria. É uma turbulência tremenda. Sofremos bastante e continuamos a sofrer. Não temos motivo para comemorar”, lamenta. A turbulência a que Bonga se refere é a de uma guerra civil que mergulhou o país em décadas de violência, destruição e desigualdade. Entre os herdeiros dessa história, persistem as feridas e as contradições. As mulheres, por exemplo, foram o pilar silencioso da luta de libertação: alimentaram as tropas, sustentaram as famílias e muitas empunharam armas. Henriqueta Pedro, que integrou a luta clandestina em 1964, primeiro na UPA e depois na FNLA, recorda que “aquilo era uma luta clandestina que cada qual fazia o seu trabalho no local onde se encontravas. Apenas nós começamos a nos cruzar a partir de 1974, mas antes disso nós não podíamos nos cruzar. E o chefe do grupo dizia mesmo: vocês não podem se encontrar, porque depois um é agarrado pela PIDE e descobre os outros”. Com a chegada da independência, a esperança rapidamente deu lugar à confusão. “Antes de 75 aqui foi um artilho”, diz Henriqueta Pedro. “Nós não esperávamos nem contávamos com aquilo. A FNLA foi o primeiro partido que começou no governo de transição, mas depois que chegou aquilo foi uma confusão terrível. Começamos a sentir forças estranhas no país, principalmente entre os cubanos. A juventude na altura quase que não entendia nada. Era o grupo dos Muquaxos, matavam os seus próprios irmãos, torturavam os portugueses aonde quer que estivessem. Foi um momento muito difícil, muita matança, muita morte inocente, sem necessidade.” A antiga combatente lamenta que “o governo de transição que tinha previsto que cada um governasse a sua parte até chegar às eleições, e depois das eleições viria aquele que ganhasse. Infelizmente as eleições foram interrompidas. Angola não lhe foi dada a independência, porque aquilo foi uma guerra. Deixaram Angola para ir assinar os Acordos de Alvor, que definiam o 11 de Novembro como a data da independência. Esperaram 11 de Novembro e cada qual proclamou no sítio onde estava”. Hoje, Henriqueta Pedro decreve um país marcado pela corrupção e pelo nepotismo. Meio século depois, as suas palavras encontram eco nas gerações mais jovens, que tentam construir um novo sentido para a liberdade. A activista social Laura Macedo explica não ser uma activista política, mas sim uma activista social: "Não tenho é a culpa que a política seja a vida, que a política esteja a interferir com a vida dos cidadãos. E quando digo política, estou a falar em política partidária. A política partidária interfere na vida dos cidadãos e manieta-os a todos os níveis.” Na reconstrução da memória colectiva, o investigador português Vasco Martins observa que “na construção da memória oficial, os heróis são muito mais homens que mulheres”. A activista Sizaltina Cutaia concorda e acrescenta que “quando se conta a história da independência, conta-se uma luta de libertação protagonizada por homens. É uma nação que foi parida, entre aspas, por homens, não reconhecendo o lugar de protagonistas que as mulheres tiveram. Muitas vezes referem-se às mulheres como as que contribuíram, as que ajudaram, mas não se pensa nelas como protagonistas desta luta. Há um silenciamento muito grande em relação à contribuição das mulheres que participaram na luta ao lado da FNLA, por exemplo.” Esse silenciamento estende-se à vida contemporânea, onde a desigualdade de género permanece entranhada. Laura Macedo sublinha que “nas famílias de renda mais baixa, os pais continuam a optar por dar mais formação aos ...
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  • Meio Século de Independência de Angola: as cicatrizes da guerra
    2025/11/10
    Cinquenta anos depois da sua independência, Angola continua marcada pelas feridas da guerra civil e pelas promessas não cumpridas da liberdade. Entre memórias de dor, medo e esperança, antigos combatentes, pensadores e activistas reflectem sobre um país dividido entre a riqueza do petróleo e a pobreza do povo, onde a reconciliação e o sentido de pátria permanecem os grandes desafios da nação. Angola celebra esta terça-feira o quinquagésimo aniversário da sua independência. No entanto, a data de 11 de Novembro de 1975 continua a ser inseparável das memórias dolorosas da guerra civil que se lhe seguiu. Foram 27 anos de combates, de desilusões e de cicatrizes ainda visíveis numa nação que, meio século depois, continua a interrogar-se sobre as suas origens e sobre a sua memória colectiva. A esperança que floresceu com o fim do domínio colonial dissipou-se rapidamente. A fragilidade da transição e as antigas divisões étnico-regionais mergulharam o país numa turbulência profunda. O antigo primeiro-ministro Marcolino Moco é peremptório ao identificar as raízes desse conflito: “Aí que nos enganamos. O sonho [do MPLA, UNITA e FNLA] não era o mesmo. Os sonhos eram mais ou menos étnico-regionais.” O dirigente recorda que “a FNLA nasceu como União das Populações do Norte de Angola, representando sobretudo os Bakongo”, enquanto “o MPLA, embora invocasse Angola inteira, partiu também de uma base parcial, ligada ao povo ambundo”. Já a UNITA, acrescenta, “teve o seu próprio sonho parcial”. Esta fragmentação dos movimentos de libertação, associada ao Acordo de Alvor, “totalmente desajustado e irrealista”, precipitou o país no abismo. O coronel português João Andrade da Silva, testemunha do processo de descolonização, reconhece responsabilidades externas. “Somos responsáveis também por haver guerra civil”, admite, evocando as “alianças inaceitáveis” feitas entre oficiais portugueses e forças locais antes da independência, que acabaram por alimentar divisões e violências que se seguiram. O 11 de Novembro de 1975, data da proclamação da independência, amanheceu sob o som das bombas e dos canhões. O dia que deveria ser de júbilo transformou-se em pânico e medo. Henriqueta Pedro, antiga combatente da FNLA, relembra “a confusão terrível” causada pela entrada das forças cubanas e pelos massacres que se seguiram. “A Angola que nós lutamos não é esta Angola que estamos a viver”, lamenta. “Crianças a comer nos contentores, pessoas que desaparecem do dia para a noite... Não sei se valeu a pena.” A guerra e a repressão deixaram marcas profundas. O cantor Bonga descreve o 27 de Maio de 1977 como “o inferno na Terra”. “As pessoas foram amedrontadas”, afirma. “Nem sabemos quantas foram as vítimas... Ficámos enlutados. É difícil falar nós entre nós, porque há medo da ingerência abusiva nos nossos lares.” A sua voz exprime a dor de uma geração marcada pelo medo e pela desconfiança. Também Álvaro Chikwamanga Daniel, actual secretário-geral da UNITA e combatente durante os últimos anos do conflito, guarda lembranças que ainda o assombram. “Lembranças tristes de ver companheiros a ficarem pelo caminho, casas queimadas, mulheres violadas, crianças perdidas em pleno combate.” São memórias que continuam a ecoar num país onde a reconciliação se mostra incompleta. Vinte anos depois do fim formal da guerra, Angola vive uma paz que muitos consideram incerta. O filósofo e activista Domingos da Cruz compara a estabilidade actual à Pax Romana: “Uma paz baseada na violência, uma paz injusta, a paz da espada.” Para o académico, “não houve avanço efectivo das liberdades” e “o movimento que tomou o poder é responsável pelo estado de coisas em Angola”. A reconciliação nacional, que deveria unir o país, permanece frágil. O dirigente da UNITA reconhece que “a reconciliação é ainda um processo que tem de ser continuado com muita coragem”. Apesar disso, mantém esperança: “Tem que haver coragem para enterrar o passado e olhar o futuro de maneira diferente, com vontade de ter o outro mais próximo do que longe.” O investigador português Vasco Martins vê a sociedade angolana presa a uma sobrevivência diária que impede uma reflexão profunda. “Os angolanos pensam a liberdade e a reconciliação com o estômago e não com a cabeça”, afirma. Enquanto persistirem “a pobreza extrema” e a desigualdade, a verdadeira reconciliação “não acontecerá necessariamente”. O medo continua a dominar o dia-a-dia, a activista Laura Macedo descreve um país onde “a censura interior se tornou norma” e onde “o poder político interfere directamente na justiça”. “O cidadão tem medo do regime”, diz, “mas o mais engraçado é que o medo do cidadão faz com que o cidadão às vezes tenha atitudes de revolta. Os governantes têm medo dos nossos medos.” A ...
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  • 11 de Novembro de 1975: o nascimento de um país
    2025/11/09
    Na noite de 11 de Novembro de 1975, Agostinho Neto proclama em Luanda a independência de Angola, pondo fim a cinco séculos de domínio português. O país nasce dividido: FNLA e UNITA também declaram governos próprios. Marcolino Moco recorda “três independências”. Entre euforia e medo, começa a guerra civil. Cinquenta anos depois, activistas e antigos combatentes questionam se a promessa de uma verdadeira independência foi cumprida. Na noite de 11 de Novembro de 1975, Luanda vive um misto de euforia e incerteza. No Palácio do Povo, o médico e poeta Agostinho Neto, líder do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), ergue a voz perante uma multidão cansada, mas expectante. Depois de cinco séculos de dominação portuguesa e catorze anos de guerra colonial, proclama: Proclamamos solenemente a independência da República Popular de Angola. Do lado de fora, uma multidão de milhares de pessoas assiste, emocionada, à bandeira vermelha, preta e dourada subir lentamente no mastro. Soldados cubanos, diplomatas estrangeiros, mulheres e crianças olham com lágrimas nos olhos. Nas ruas, ouvem-se buzinas, batuques e gritos de “Viva Angola!”. Contudo, a mesma noite que em Luanda é celebrada como libertação, marca também o início de uma nova divisão. No norte, a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), liderada por Holden Roberto, proclama o nascimento de uma república própria. No centro, nas cidades do Huambo e do Bié, Jonas Savimbi, à frente da UNITA, anuncia igualmente a independência. Angola nasce, mas em guerra consigo própria. “Foi uma revelação amarga, porque foram proclamadas três independências”, recorda Marcolino Moco, antigo primeiro-ministro e académico, que em 1975 tinha 22 anos e militava no MPLA. “Eu estava no Huambo, era do MPLA, e a UNITA proclamou lá a sua independência. O bilhete de identidade português deixou de ter valor e o bilhete de identidade passou a ser o cartão da UNITA. Como eu não tinha esse cartão, fiquei encurralado, fui logo preso.” Marcolino Moco recorda ter sido libertado “graças à influência do meu pai, uma grande autoridade tradicional”, mas pouco depois voltou a ser detido. “Levaram-me outra vez, já para me matarem mesmo. Só que essas coisas acontecem... culpam-se os líderes, mas são coisas que nascem espontaneamente.” O jovem militante viria a escapar à morte pouco antes da chegada das tropas cubanas ao Huambo. “Fui levado para a cadeia uns dias antes da libertação do Huambo pelas tropas do MPLA, apoiadas por Cuba. Eu era militante do MPLA no local errado”, conta, sublinhando a violência da época. Para Marcolino Moco, o país nasceu dividido desde o princípio. “Quando começou a guerra, Angola ficou dividida em três. O MPLA controlava Luanda com apoio de Cuba e da União Soviética; a FNLA e a UNITA tinham o Zaire, os Estados Unidos e a África do Sul do seu lado. Era a Guerra Fria a entrar em África.” O académico aponta também responsabilidades externas. “Os Estados Unidos foram renitentes em reconhecer a independência. O chamado mundo ocidental teve dificuldade em aceitar uma independência unilateral, não proclamada no âmbito de Alvor”, afirma. “Os Acordos de Alvor partiram da ideia utópica de que tudo se resolveria com eleições, sem perceber que aqueles três movimentos de libertação não eram partidos políticos. Eram estruturas étnico-regionais, sem um projecto nacional comum.” Do outro lado do Atlântico, o mundo observava: Em Havana, Fidel Castro garantia que “os soldados cubanos permanecerão em Angola enquanto for necessário para defender a liberdade do povo angolano”. Em Pretória, o regime do Apartheid reagia com inquietação, temendo o nascimento de um Estado aliado do Congresso Nacional Africano (ANC). Em Lisboa, o governo saído da Revolução dos Cravos cumpria os Acordos de Alvor, mas a retirada portuguesa foi apressada e desordenada. “A transição não se fez como devia”, observa Marcolino Moco. “As Nações Unidas, no artigo 73 da sua Carta, previam uma passagem gradual, que permitisse preparar as elites locais para governar. Mas a União Soviética forçou a aceleração, para multiplicar aliados nas Nações Unidas. O resultado foi que os países africanos ficaram independentes sem estar preparados, e Angola foi um dos exemplos mais trágicos disso.” A imprensa internacional descrevia o novo país com preocupação: O Le Monde titulava “Angola, nova República nascida em guerra”, enquanto The Guardian escrevia “Independência e conflito: Angola divide-se ao nascer”. Para muitos angolanos, a independência foi um dia de alegria contida. Álvaro Chicalanga Daniel, actual secretário da UNITA, tinha apenas sete anos na altura. “Lembro-me que era festa. Todo o mundo estava eufórico, e a perspectiva era de que teríamos um país melhor, um país onde nós, os angolanos, seríamos donos do nosso próprio destino....
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  • 50 anos de Independência de Angola: o sonho da liberdade
    2025/11/08
    Na noite de 11 de Novembro de 1975, Angola tornou-se independente. Em Luanda, Agostinho Neto, poeta e médico, líder do MPLA, proclamava o nascimento de uma nova nação após quase cinco séculos de colonização portuguesa. Mas a conquista da liberdade, celebrada por uns, seria também o início de uma longa guerra e de um país dividido pelas visões distintas de independência. Durante quase 500 anos, Angola foi colónia portuguesa. O regime de Lisboa explorava o território em nome de uma suposta "missão civilizadora", enquanto o trabalho forçado, a segregação racial e a ausência de direitos cívicos marcavam o dia-a-dia da maioria africana. “Muito antes, os brancos não se cruzavam com os pretos. E mesmo que estivéssemos a estudar, os pretos eram sempre penalizados”, recorda Maria Henriqueta Pedro, antiga combatente da UPA, depois FNLA. “O que nos incentivou mesmo foi a perseguição da PIDE. Éramos crianças, mas víamos: fulano foi preso porque estava do lado da UPA. Sentíamo-nos oprimidos. Então, se eles lutavam para que fôssemos livres, decidimos participar nessa luta.” Nos anos 1950, as ideias de independência começaram a circular entre estudantes e trabalhadores, influenciadas pelo pan-africanismo e pelos ventos de descolonização que sopravam do Gana e do Congo. Em Fevereiro de 1961, o país foi abalado por revoltas e massacres que marcaram o início da guerra colonial. O então coronel português João Andrade da Silva, que combateu em Angola entre 1961 e 1962, lembra a doutrinação que precedia o embarque: “Nós aprendíamos que Angola, Moçambique e Guiné eram Portugal, como a minha Madeira. Íamos combater os chamados terroristas, que nos diziam que faziam mal à população e não representavam ninguém. Só mais tarde comecei a pensar que muita daquilo que chamavam incompetência militar era, afinal, resistência à guerra.” A 15 de Março de 1961, a UPA, liderada por Holden Roberto, atacou posições coloniais no Norte. O regime português respondeu enviando milhares de soldados. Nasciam então três movimentos de libertação — a FNLA, o MPLA e a UNITA — unidos no objectivo da independência, mas divergentes na visão do país que queriam construir. “Entrei na UPA em 1964. Fazíamos o trabalho de mobilização em segredo, de boca a boca. Havia a PIDE atrás de nós e, entre os membros, ninguém sabia quem era quem”, recorda Henriqueta Pedro. A guerra em Angola internacionalizou-se: o MPLA recebeu apoio da União Soviética e de Cuba, a FNLA dos Estados Unidos e do Zaire, e a UNITA da África do Sul. Angola tornou-se palco da Guerra Fria. Em Abril de 1974, em Portugal, a Revolução dos Cravos pôs fim à ditadura e precipitou a descolonização. “Os militares não estavam motivados. Nenhum queria continuar a guerra”, afirma o coronel Andrade da Silva. “Queríamos acabar com ela, mas o processo de descolonização ultrapassou-nos. Houve militares desarmados e humilhados. E o que aconteceu em Angola, com as lutas em Luanda, foi uma tragédia.” Em Janeiro de 1975, os três movimentos assinaram em Alvor, no Algarve, um acordo que previa um governo de transição e eleições gerais. Por um breve momento, pareceu possível uma Angola unida e democrática. “Tive oportunidade de integrar a comissão que recebeu a delegação da FNLA no aeroporto 4 de Fevereiro”, recorda Henriqueta Pedro. “Trabalhámos para o governo de transição e fiquei como coordenadora de um comité no Rangel, que já existia clandestinamente antes de ser oficial.” Mas o sonho desfez-se em meses. As tensões entre o MPLA, FNLA e UNITA explodiram em confrontos armados em Luanda. Cada força passou a controlar partes diferentes do território. “Em 1974 foi um horror”, lembra Henriqueta. Na noite de 10 para 11 de Novembro de 1975, cada movimento preparava a sua proclamação. O MPLA, em Luanda, viria a ser o primeiro. “Eu estava no Nzeto, antigo Ambrizete, na província do Zaire. No dia da independência, o administrador português desceu a bandeira de Portugal e o delegado da FNLA, André Paulo, ergueu a bandeira da FNLA. Tudo correu calmo, graças a Deus. Mas pouco depois chegaram os cubanos e a guerra começou”, relata Henriqueta. Agostinho Neto proclamou então a República Popular de Angola, com apoio de Cuba e da União Soviética. Poucos depois, o país mergulhava numa guerra civil que duraria 27 anos. Milhares de pessoas fugiram para o exílio. Henriqueta Pedro viveu dez anos na República do Zaire e regressou em 1985 a um país devastado. “Muitas vezes penso: será que valeu a pena? Porque hoje não somos independentes. Não temos liberdade de expressão. Lutámos por uma Angola que não é esta. A corrupção, o nepotismo… às vezes nem sabemos por que lutámos.” Ainda assim, mantém o ideal: “Sem sentido de pátria nunca teremos Angola. Temos de nos despir do nepotismo e vestir a pátria. Só assim poderemos dizer que valeu a pena.” ...
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