エピソード

  • Como a corrida por data centers está reescrevendo a política energética dos EUA
    2025/09/08
    Os Estados Unidos passaram anos com o consumo de eletricidade praticamente estagnado. De repente, a inteligência artificial entrou em cena e mudou este quadro. O Departamento de Energia estima que os data centers, que em 2023 já consumiam cerca de 4,4% da eletricidade do país, podem chegar a algo entre 6,7% e 12% até 2028, o que equivale a 325 a 580 TWh. É muita coisa em muito pouco tempo. O problema é que não dá para erguer uma linha de transmissão de energia como quem atualiza um aplicativo. Thiago de Aragão, analista político No operador PJM, a maior malha do país, que cobre do Meio-Atlântico ao Meio-Oeste, as projeções de carga deram um salto. O relatório de 2025 fala em crescimento médio de 3,8% ao ano no pico de inverno na próxima década, um ritmo raríssimo para padrões norte-americanos e puxado por novas cargas gigantes. Não à toa, o próprio PJM abriu um processo acelerado para criar regras específicas de conexão de megacargas, em especial data centers. É a burocracia tentando correr atrás da nuvem. A dinâmica econômica também mudou. Por anos, as Big Techs compraram certificados que comprovavam que uma certa quantidade de eletricidade foi gerada a partir de fontes renováveis, (Certificados de Energia Renovável, RECs) ou através de contratos de compra e venda virtuais ou financeiros de energia a longo prazo, em que não havia entrega física; o termo de compromisso era usado para fixar um preço da energia no mercado e garantir previsibilidade financeira. Agora, a discussão é sobre lastro: contratos longos de energia física, isso é, o comprador garante a compra de uma quantidade de energia ou a produção de um parque renovável. A Microsoft, por exemplo, assinou um contrato de compra e venda de energia elétrica (PPA na sigla em inglês) de 20 anos com a Constellation, empresa americana de produção de energia de baixo carbono, para viabilizar a retomada da usina nuclear de Three Mile Island. A Meta fechou outro contrato de 20 anos com a mesma empresa para o complexo nuclear de Clinton, em Illinois. Esses arranjos não são apenas marketing de sustentabilidade; são a forma de garantir gigawatts 24/7 para operações que não podem piscar. Nem tudo, porém, é plug and play. O caso Amazon–Talen, na Pensilvânia, em que um data center foi construído colado à usina nuclear de Susquehanna, virou novela regulatória. A FERC rejeitou duas vezes o acordo de interconexão que buscava ampliar o fornecimento direto “porta a porta”, por temores de custo e impacto na rede compartilhada. A moral da história é simples: estar perto de uma usina ajuda, mas não anula as regras sobre quem paga pelo fio. Esse recado já foi ouvido em outros estados. E quem paga, afinal? Alguns estados começaram a definir tarifas e classes específicas para hipercargas. Na Virgínia, a Dominion propôs uma categoria nova de tarifa para data centers muito grandes e, em paralelo, ganhou autorização para construir uma linha de transmissão que atende apenas um hyperscale em Alexandria. A decisão gerou protestos de bairros vizinhos e revelou o óbvio: a “nuvem” tem 230 kV e passa no quintal de alguém. Demanda real e fantasma Do lado dos planejadores, há outro nó difícil: o que é demanda real e o que é “demanda fantasma”? Com a corrida por IA, desenvolvedores entram em múltiplas filas de conexão ao mesmo tempo, muitas vezes para o mesmo projeto. O resultado é um inchaço artificial dos números que pode levar a redes superdimensionadas e depois subutilizadas, e essa conta sobra para o consumidor. O Wall Street Journal contou bem essa história dos “data centers que nem existem e já assombram a rede”. No Sul, a Georgia Power redesenhou seu plano de recursos para segurar o carvão por mais tempo, investir em baterias e gás adicional e ampliar solar, tudo com um olho atento nos data centers. É uma boa síntese do momento: a transição energética continua, mas a sequência das peças mudou por causa da IA. E a nova geração de tecnologias nucleares? Os SMRs, reatores nucleares pequenos, que prometem menor investimento inicial e maior segurança, estão no radar, mas o combustível HALEU, que tem a Rússia como a única fornecedora em escala, ainda é o gargalo. A empresa americana fornecedora de combustível nuclear, Centrus, atingiu, em junho, a marca de 900 kg produzidos, um marco histórico nos EUA. Mas o Departamento de Energia dos Estados Unidos (DOE) projeta necessidade de 50 toneladas por ano até 2035. Em outras palavras, promissor, porém não no tempo dos data centers que entram em operação entre 2026 e 2028. Até lá, o que existe de nuclear “na prateleira” é estendera a vida útil e aumentar a potência licenciada dos reatores nucleares existentes, sem construir uma nova usina. Mas existem alternativas realistas para sair desta situação. A primeira delas é a velocidade frente à governança. A rede americana foi desenhada para crescer...
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  • Com queda anunciada de primeiro-ministro e pressão das ruas, Macron está cada vez mais isolado
    2025/09/01
    Ao repetir que não renunciará, Emmanuel Macron reforça exatamente a hipótese que tenta afastar. Entre a queda anunciada de François Bayrou, a pressão das ruas e a ausência de maioria parlamentar, o presidente francês se vê cada vez mais isolado. Thomás Zicman de Barros, analista político Poucas frases são tão perigosas na boca de um governante quanto “não vou renunciar”. Quando precisa pronunciá-la, é porque a ideia já circula no ar. Afinal, se a renúncia fosse impensável, por que mencioná-la em voz alta? A política, como a psicanálise, tem esse paradoxo: quanto mais se tenta negar, mais a hipótese ganha corpo. Na semana passada, diante da crise política que se agrava na França, Emmanuel Macron repetiu que cumprirá até o fim o mandato que lhe foi confiado. Mas, ao insistir nisso, deixa entrever que o contrário — sua queda antecipada — ronda os bastidores da Quinta República. O desmentido de Macron vem em meio à crise que ameaça derrubar seu premiê, François Bayrou. O primeiro-ministro se vê acuado tanto no Parlamento quanto nas ruas. A crise parlamentar tem data marcada: Bayrou pediu que a Assembleia Nacional lhe dê um voto de confiança no dia 8 de setembro diante das dificuldades pressentidas em aprovar um orçamento austero — cortes de gastos, supressão de feriados, medidas justificadas em nome de uma crise fiscal. Ele sabe, porém, que a chance de conseguir esse apoio é quase nula — não menos porque a crise fiscal é responsabilidade dos próprios macronistas, que governam o país faz oito anos —, e que será levado a entregar o cargo. É curioso notar que o dia da iminente queda de Bayrou foi escolhido para reduzir danos: em 10 de setembro está agendado o grande movimento de protesto Bloquons tout (Bloqueemos tudo), comparado aos Gilets jaunes (Coletes amarelos), que, com apoio sindical, promete parar o país. A aposta do governo é que a saída do premiê na véspera esvazie a mobilização. Apenas a saída de Bayrou, porém, não reduz as dificuldades de Macron. Talvez apenas as acelere num ritmo mais contido. O problema é mais profundo. Desde sua reeleição em 2022, ele nunca contou com maioria sólida, nem parlamentar, nem social. A dissolução surpresa do parlamento, em 2024, que pretendia virar o jogo, apenas agravou a fragilidade, reduzindo ainda mais sua base e produzindo um legislativo fragmentado. Apesar da instabilidade, o presidente não aceitou rever sua linha programática, insistindo em reformas e austeridade que parecem cada vez mais em descompasso com os anseios dos cidadãos. Macron insiste que não deseja nova dissolução, porque o país precisa de estabilidade. Mas ele e seus partidários temem, acima de tudo, repetir uma dissolução que apenas reduza ainda mais seus assentos, intensificando a paralisia do país e a impopularidade do presidente. Com a queda do governo Bayrou — o quarto desde 2022, um recorde na Quinta República, concebida justamente para garantir estabilidade política —, Macron provavelmente buscará nomear outro premiê do seu campo capaz de costurar alianças mais amplas. É provável que, em troca de apoio, ofereça concessões cosméticas, celebradas como grandes vitórias pela direita e pelos socialistas – e descumpridas tão logo a crise imediata esteja contida. Mas sem inflexões na sua política, e diante da pressão das ruas, a equação pode não fechar. E, caso mais um governo caia ou o orçamento não seja aprovado, o presidente poderá ser empurrado a dissolver novamente a Assembleia e convocar eleições antecipadas. A extrema direita e a esquerda radical, que lideram as forças de oposição, parecem as mais interessadas em colocar o presidente contra a parede. Não querem, sobretudo, parecer em descompasso com a onda de protestos que prometia eclodir. Mas a verdade é que os cálculos políticos de todos os lados são arriscados, e nenhum campo está em posição confortável. Todos os partidos já estavam com as energias voltadas para as eleições municipais do próximo ano e se veem pouco preparados para legislativas antecipadas. A extrema-direita veria vantagem em ampliar sua bancada, mas não tem resposta para a inelegibilidade de Marine Le Pen, sua líder incontornável. A esquerda radical, por sua vez, aposta no cenário inverso: busca agravar a crise para precipitar a queda de Macron e abrir caminho a uma eleição presidencial, na qual Jean-Luc Mélenchon, em campanha permanente, poderia enfim se impor. No curto prazo, porém, legislativas antecipadas tenderiam a resultar em incerteza, já que a esquerda segue marcada por suas fraturas expostas — sobretudo entre a França Insubmissa e os socialistas — e, se disputar desunida, corre o risco de perder assentos. As crises políticas constantes na França, no Parlamento e nas ruas, revelam um presidente em descompasso com o país. Mais do que isso, expõem uma crise de regime: um sistema que permite a governantes ...
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  • A direita festiva é global e a esquerda perdeu a ousadia
    2025/08/18
    Ao redor do mundo, a extrema direita transformou a transgressão em combustível político. A esquerda, que já foi sinônimo de contestação, parece ter esquecido como quebrar regras, e paga o preço por isso. Thomás Zicman de Barros, analista político A rebeldia virou de direita? Essa é a pergunta e o título do livro do jornalista e historiador argentino Pablo Stefanoni, radicado em Paris. Traduzido para o português pela Editora da Unicamp, o livro já tem alguns anos. Hoje, a pergunta soa menos como um enigma e mais como um diagnóstico precoce. Stefanoni estudou Javier Milei muito antes de ele se lançar candidato à presidência argentina, quando ainda era um bufão de programas de auditório convertido em deputado. E fez isso num momento em que, após a vitória de Biden contra Trump, muitos se deixaram levar por um otimismo enganoso: acreditavam que a “onda de extrema direita” havia sido contida e que a história voltaria a seu fluxo “normal”. Stefanoni escapou dessa miopia porque percebeu o surgimento de uma estética política que desafiava não só as instituições, mas também quem, por séculos, detinha o monopólio da contestação: a esquerda. A esquerda, historicamente, foi a força que ousava romper convenções, questionar hierarquias e expor as formas invisíveis de dominação. Era a esquerda quem quebrava tabus, desafiava a moralidade (e o moralismo) para expor a nu as injustiças. Nos anos 1960, a turma do Pasquim cunhou a expressão “esquerda festiva”, combinando boemia e política. Nas últimas décadas, no entanto, esse ímpeto transgressor foi se perdendo. A esquerda se tornou conservadora, quiçá “careta”: ao invés de questionar as regras, passou a multiplicar códigos de como se portar, de como falar e, com isso, perdeu o seu vigor. Em 2014, um famoso colunista brasileiro defendia a necessidade de uma “direita festiva”. Sem saber, estava traçando um programa para a década seguinte, de tamanha força que foi muito além dos desejos do próprio autor. A transgressão, o ato de quebrar regras, falar o proibido, ridicularizar o que é tido como sagrado, tem um apelo visceral. A psicanálise ajuda a entender por quê: todos somos atravessados por faltas, angústias e frustrações. É comum projetar nelas a sensação de que existem regras sociais nos controlando. Na transgressão existe uma promessa de gozo. É o triunfo da vontade do homem branco viril: a fantasia de poder fazer o que quiser, quando quiser, sem limites. E os incomodados que se mudem, para Cuba, de preferência! Essa promessa é sedutora, e o crescimento do discurso masculinista também bebe dessa fonte, sobretudo quando aparece embrulhada em discursos que se apresentam como “corajosos” e “politicamente incorretos”. Mas não se deve esquecer: a transgressão de extrema direita não emancipa ninguém. Muitos de seus militantes acreditam – com certa razão – que, por décadas, suas ideias foram tabu e suas vozes informalmente silenciadas. Antigas formas de dominação É inegável que as mudanças sociais e midiáticas recentes deram espaço a quem estava na periferia do debate. Mas para quem, exatamente? Não estamos falando aqui de discursos emancipatórios, democráticos, que questionam hierarquias sociais para ampliar direitos. O discurso transgressivo da extrema direita não abre espaço para novas liberdades, mas apenas reforça antigas formas de dominação. A quebra de tabus, nesse caso, serve para justificar a violência contra minorias, corroer direitos e aprofundar desigualdades. Sim, essa rebeldia tem limites. Às vezes a extrema direita dá passos maiores do que as pernas. A tomada do Capitólio em Washington, assim como o ataque à Praça dos Três Poderes em Brasília, foram tão transgressivos e violentos que afastaram mais gente do que atraíram. Por isso, alguns conservadores falam na necessidade de uma paradoxal extrema direita “moderada”, na necessidade de “normalização”, como seria o caso de Giorgia Meloni, líder neofascista italiana que hoje se apresenta como gestora responsável. Mas é preciso lembrar que normalização não é só a extrema direita parecer mais palatável: é também o centro se deslocar para a extrema direita, alterando o nosso referencial do que é “normal”. É o que vemos quando a direita espanhola incorpora o discurso do Vox, quando os gaullistas franceses ecoam ideias de Marine Le Pen, ou quando partidos como o trabalhista britânico e os social-democratas dinamarqueses endurecem suas posições migratórias para competir com seus adversários à extrema direita. Se esses outros partidos rumam à extrema direita é porque a sua força original não está na normalização, mas na transgressão. É isso que lhe garante energia e atração populista, sobretudo num contexto em que cada vez mais gente se vê precarizada. A precarização não é só econômica: ela é simbólica. A crise das formas tradicionais de ...
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  • Com tarifas dos EUA, Brasil acelera diversificação e pode reforçar posição no comércio global
    2025/08/11

    O aumento das tarifas impostas pelos Estados Unidos a produtos brasileiros reacendeu um debate que já vinha ganhando espaço no comércio exterior do país: a necessidade de diversificar mercados. A medida, que encarece significativamente a entrada de bens brasileiros no mercado americano, força produtores e exportadores a buscarem novos destinos para manter o fluxo de vendas e proteger suas margens.

    Thiago de Aragão, analista político

    Entre as alternativas mais promissoras estão os países árabes, que vêm ampliando o interesse pelo agronegócio brasileiro como forma de substituir parte das importações provenientes dos EUA. O potencial desse mercado é expressivo, tanto pela demanda por proteína animal e grãos quanto pela disposição em firmar contratos de longo prazo.

    A China continua sendo um pilar central da pauta exportadora do Brasil. Já consolidado como principal comprador de commodities brasileiras, o país asiático tem ampliado sua presença especialmente nos segmentos de carne, soja e açúcar.

    A relação comercial com Pequim, fortalecida por anos de trocas consistentes, ganha ainda mais relevância em um cenário de disputas comerciais globais, no qual o Brasil se apresenta como um fornecedor confiável e competitivo.

    Acordo UE-Mercosul

    No horizonte próximo, a União Europeia desponta como outra possibilidade estratégica. O acordo Mercosul-UE, se ratificado, trará reduções significativas de tarifas sobre produtos agrícolas como carnes, sucos e café, abrindo espaço para maior penetração no mercado europeu. Para o setor agroindustrial brasileiro, isso significaria acesso facilitado a um público de alto poder aquisitivo e exigente em qualidade.

    O Japão também começa a entrar no radar com mais força. Negociações recentes indicam uma abertura gradual para a carne brasileira, inicialmente restrita a alguns estados, mas com possibilidade de ampliação. Trata-se de um mercado de alto valor agregado e com potencial de crescimento à medida que barreiras sanitárias e logísticas forem superadas.

    Mesmo com o peso das tarifas, o mercado americano não desaparece do mapa. Pelo contrário, ainda abriga oportunidades específicas. O Brasil registrou exportações recordes de carne fresca para os Estados Unidos recentemente, demonstrando que, com planejamento e ações pontuais, é possível manter uma participação relevante mesmo diante de custos mais altos.

    A combinação desses movimentos revela um Brasil mais atento à necessidade de construir uma rede de compradores diversificada. A crise tarifária nos Estados Unidos, em vez de representar apenas um obstáculo, pode se tornar um catalisador para que o país consolide sua presença em diferentes regiões, equilibre riscos e fortaleça sua posição no comércio global.

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  • Trump, a tormenta, e a arte de resistir
    2025/08/04
    Diante do tarifaço de Trump, União Europeia e Brasil reagiram de formas distintas – e o saldo político revela que atualmente os símbolos parecem importar mais do que indicadores econômicos. Thomás Zicman de Barros, analista político Ainda no primeiro mandato de Donald Trump, durante uma sessão de fotos, o famoso fotógrafo Platon perguntou ao presidente: “Como o senhor faz para navegar nas tormentas da política americana?”. “Eu sou a tormenta”, respondeu ele. A frase, um tanto cinematográfica, sintetiza como poucas o espírito disruptivo de diversos líderes populistas. Trump não se vê como alguém que responde aos ventos da história, mas como o próprio vendaval. Ele não joga segundo as regras, mas busca reescrevê-las. Seu estilo político é o da disrupção permanente, da ameaça constante, da teatralização do conflito como método de governo. A recente imposição de tarifas alfandegárias escancarou novamente essa forma de agir. Em um mundo já tensionado por múltiplas guerras e por uma reorganização geopolítica profunda, Trump retorna ao centro do palco como força desestabilizadora. Sua política comercial não responde à racionalidade econômica. Sua principal vítima são os consumidores americanos, que pagarão a conta. Trump também aprofunda a crise da hegemonia americana, dilapidando a confiança que por um século marcou o domínio dos EUA no cenário global. Mas suas ações obedecem à lógica do espetáculo. Tarifar, para ele, é antes de tudo um gesto simbólico: contra a fraqueza americana, marcar território, humilhar parceiros, fazer da imprevisibilidade uma arma. Como apontava Max Weber, o carisma – especialmente o carisma que pretende instaurar um mundo novo – se opõe à rotina, às formas automáticas e estáveis de reprodução social. Ainda assim, Trump está longe de ser onipotente. Seus recuos frequentes – mesmo quando precedidos por ameaças radicais – revelam que seu poder depende mais da intimidação do que da imposição duradoura. A pergunta que se impõe, então, é como responder a esse tipo de poder. E, na semana que passou, vimos o contraste entre as reações da União Europeia e do Brasil. Liderança europeia contestada Do lado europeu, diante do anúncio inicial de 30% de tarifas, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, apressou-se em buscar uma negociação. Na semana passada, reuniu-se com Trump no campo de golfe de Turnberry, na Escócia, onde ele anunciaria pessoalmente o novo acordo com tarifas reduzidas a 15%. Uma redução de danos depois do choque inicial, mas que deixou sequelas políticas. Von der Leyen foi criticada, sobretudo na França, onde tanto o presidente Emmanuel Macron quanto o premiê François Bayrou denunciaram a capitulação. Não se trata apenas do teor das tarifas, mas daquilo que se comunica ao mundo: a Europa – que já depende dos Estados Unidos para sua segurança militar – parece incapaz de se contrapor aos caprichos de Trump, que impunemente cria o caos nas práticas do comércio internacional. O Brasil, por sua vez, respondeu de forma distinta. Embora mantenha déficits comerciais com os Estados Unidos, foi alvo de uma retaliação ainda mais dura, com a ameaça de tarifas de até 50%. Mas os motivos ultrapassavam o campo econômico: a medida foi alimentada por pressões da extrema direita brasileira, em especial de membros da família Bolsonaro, que atuam nos bastidores em Washington para atacar as instituições do país. A ofensiva contou ainda com o apoio de setores das Big Techs, contrários a iniciativas de regulação em curso no Brasil. O alvo principal era o Supremo Tribunal Federal – sobretudo o ministro Alexandre de Moraes, que viria a ser sancionado sob a chamada lei Magnitsky. O episódio incluiu o cancelamento de vistos de magistrados e declarações públicas contra o Judiciário brasileiro. Apesar da pressão, o governo Lula não cedeu. E mesmo com os canais de negociação direta inicialmente fechados, viu os EUA recuarem, anunciando que quase metade dos produtos brasileiros seria isenta das taxas adicionais. Mais do que isso, na última sexta-feira, Trump – até então irredutível – afirmou estar aberto a conversar com Lula. O impacto negativo das tarifas deve, portanto, ser mais modesto do que o inicialmente previsto — embora continue real e relevante. Mas o saldo político foi inequivocamente positivo. Trump, ao vincular as tarifas ao bolsonarismo e às críticas ao sistema judicial brasileiro, permitiu que o governo Lula se apresentasse como alvo de uma ingerência externa indevida – e a extrema direita brasileira, ao endossar as acusações trumpistas, apenas reforçou esse discurso. Leia tambémRelação entre EUA e Brasil vive pior momento em dois séculos após tarifaço de Trump, diz Le Figaro Brasil se fortalece O contraste com a Europa é eloquente. Enquanto Von der Leyen buscou acomodação e foi criticada internamente, Lula ...
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  • Brasil precisa envolver setor privado nas negociações tarifárias com Washington
    2025/07/28

    A disputa comercial entre Brasil e Estados Unidos caminha para um ponto de ebulição, com a tarifa de 50% prestes a entrar em vigor em 1º de agosto. O que se vê é uma urgência palpável, mas o governo brasileiro parece insistir em uma abordagem que soa mais como hesitação do que como astúcia.

    Thiago de Aragão, analista político

    Apesar de ter explorado canais diplomáticos tradicionais, reuniões, cartas formais e argumentos técnicos, nada surtiu efeito na Casa Branca. Trump mantém um silêncio ensurdecedor, valendo-se da intimidação como moeda de troca, um truque que já conhecemos, mas ao qual o Brasil responde com uma passividade que deixa a desejar.

    Aqui, cabe questionar: será que essa estratégia de “silêncio como tática” não reflete, na verdade, uma falta de assertividade por parte do Brasil? A legislação permite retaliações calibradas, produto a produto, mas o que se observa é um excesso de cautela, com esforços nos bastidores que priorizam diálogos discretos com empresas americanas, o USTR e aliados no Congresso.

    O argumento de que as tarifas machucam mais os consumidores e indústrias dos EUA é válido, mas depender tanto dessa narrativa externa revela uma vulnerabilidade: o Brasil parece apostar em que os outros resolvam o problema, em vez de impor consequências mais imediatas.

    Enquanto isso, o cardápio de alternativas, de apelos à OMC a revisões de contratos, passando por retaliações seletivas como cortes em incentivos para plataformas de streaming ou obstáculos em licitações para firmas americanas, é montado com lentidão excessiva. Essa demora em agir de forma mais decisiva pode ser interpretada como uma fraqueza, permitindo que os EUA ditam o ritmo sem pressa.

    "Ingenuidade"

    A visão pragmática sugere que operar em múltiplas frentes é essencial, mas o Brasil peca ao priorizar adiamentos curtos, como 30 ou 60 dias, na esperança de que articulações políticas nos EUA deem frutos. Essa dependência de prazos estendidos, sem contramedidas mais robustas em paralelo, arrisca prolongar a incerteza e enfraquecer a posição negociadora. As retaliações pontuais, quando desenhadas, vêm com um cuidado exagerado para não “fechar portas”, o que, em um jogo assimétrico, pode ser visto como ingenuidade.

    Há, sim, um esforço para diversificar parcerias, olhando para Europa, países árabes, Índia e África, o que é louvável em teoria. No entanto, essa movimentação silenciosa não passa de uma reação tardia a uma dependência histórica dos EUA, e usá-la como argumento nas negociações, “a fila anda”, soa mais como blefe do que como ameaça crível, especialmente se não for respaldada por ações concretas e rápidas.

    No fundo, o Brasil não está jogando para vencer com gritos, mas sua preferência por ganhar tempo, sem uma dose maior de firmeza, pode se revelar uma estratégia aquém do necessário. Nessa partida desequilibrada, uma postura mais crítica e proativa faria toda a diferença para não se tornar mero espectador de suas próprias desvantagens.

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  • Democracia ofensiva: lições compartilhadas entre França e Brasil no combate à extrema direita
    2025/07/21
    Enquanto Marine Le Pen tem sua inelegibilidade confirmada pela Corte Europeia de Direitos Humanos e Jair Bolsonaro acumula reveses no Brasil, um contraste emerge: as instituições de ambos os países têm reagido aos ataques da extrema direita de forma mais eficaz do que nos Estados Unidos sob Donald Trump. Mas resistir não basta. Thomás Zicman de Barros, analista político Quatro dias atrás, um alto tribunal agravou a situação de uma das principais lideranças da extrema direita. Já inelegível, ela agora vê o risco de prisão se aproximar. Seus aliados, previsivelmente, falam em perseguição política. Não, não estou falando do Brasil – mas sim da Europa. Mais especificamente, de Marine Le Pen, líder da extrema direita francesa, cujo recurso de inelegibilidade foi considerado improcedente pela Corte Europeia dos Direitos Humanos. É claro que há diferenças importantes entre o caso francês e o brasileiro. Jair Bolsonaro enfrenta acusações que envolvem diretamente uma tentativa de golpe de Estado e a abolição violenta do regime democrático. Ele era o messias da “ralé” que depredou a Praça dos Três Poderes. Le Pen também lidera uma “ralé” radicalizada – marcada, desde a época de Jean-Marie Le Pen, por atentados e episódios de violência política. Mas ela busca parecer mais frequentável e, por ora, a acusação que pesa sobre ela – também bastante grave – diz respeito ao desvio de fundos do Parlamento Europeu, usados para financiar membros de seu partido com verbas destinadas a assessores parlamentares. A decisão confirma sua exclusão da eleição presidencial de 2027 e atinge o coração de sua credibilidade pública e da suposta “ética patriótica” que ela proclama. Outro contraste importante está na reação internacional – ou, neste caso, na quase ausência dela. Quando Le Pen foi condenada criminalmente no início do ano, Trump reagiu com vigor, também classificando o caso como uma “caça às bruxas” e bradando “Free Marine Le Pen!”. Mas, diante da decisão da Corte Europeia dos Direitos Humanos, manteve-se em silêncio. Diferentemente do que fez no caso brasileiro, limitou-se, por ora, a prometer tarifas de “apenas” 20% sobre produtos europeus – mesmo havendo, aqui sim, um déficit comercial real com os Estados Unidos. Também não cassou o visto de nenhum juiz europeu. Talvez ainda não veja vantagem, ou talvez porque Le Pen, um pouco mais inteligente e menos sabuja, não tem membros da sua família fazendo lobby em Washington. Brasil e Europa são mais eficazes em conter a extrema direita De todo modo, é justamente a presença de Trump na Casa Branca que ilumina os dilemas comuns enfrentados por Brasil e França. Por ora, ambos lidam com o fortalecimento da extrema direita nacional de forma mais eficaz do que os Estados Unidos. Para surpresa de alguns, instituições brasileiras e europeias têm conseguido estabelecer certos limites que, no caso americano, falharam em conter Trump – mesmo após suas condenações – e que o agora reeleito presidente trabalha ativamente para desmontar. No Brasil, o Supremo Tribunal Federal manteve o curso de responsabilização por crimes contra a democracia. Na França, tanto a justiça administrativa quanto a Corte Europeia dos Direitos Humanos – sediada em Estrasburgo – reafirmaram que a popularidade de Le Pen não lhe dá salvo-conduto para violar a lei. Esses episódios não indicam estabilidade definitiva – longe disso –, mas mostram que ainda existem zonas institucionais de autonomia diante de forças autoritárias. O problema é que essa resistência, por mais importante que seja, é insuficiente. Contra uma ofensiva global da extrema direita – cada vez mais articulada, adaptável e respaldada por potências como os EUA – não basta uma democracia defensiva. Necessidade de "democracia ofensiva" É preciso o que venho chamando de democracia ofensiva: uma democracia que vá além da contenção jurídica ou institucional, e que enfrente de modo direto as condições sociais, econômicas e simbólicas que alimentam o extremismo. Uma democracia que combata não apenas os sintomas mórbidos, mas também suas causas. Uma democracia que, para merecer tal nome, seja efetivamente antissistema. Porque democracia é, sempre, uma questão de igualdade – e da luta contra as desigualdades que alguns tentam naturalizar e aprofundar. Nesse sentido, a temporada cruzada França–Brasil, em curso este ano, surge como mais do que um simples intercâmbio cultural: tornou-se também uma oportunidade de articulação política. Um tema central de potencial cooperação é a regulação das mídias digitais, cada vez mais uma frente crucial. A União Europeia vem avançando com propostas ambiciosas, que incomodam as big techs justamente por buscar limitar a lógica de monetização do ódio e da desinformação. Não por acaso, tornou-se alvo preferencial das grandes plataformas americanas, ...
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  • A Europa, o Azerbaijão e o silêncio sobre Bahruz Samadov
    2025/07/07
    Bahruz Samadov tem 30 anos, é pesquisador e pacifista – e foi injustamente condenado a 15 anos de prisão no Azerbaijão. Sua história, ignorada por líderes europeus, revela os silêncios convenientes da política internacional e mostra, mais uma vez, como o petróleo costuma pesar mais que a democracia. Thomás Zicman de Barros, analista político Hoje eu vou falar sobre o Azerbaijão. Sim, o Azerbaijão: um pequeno país que muitos sequer sabem apontar no mapa e que raramente recebe atenção no noticiário brasileiro. Para explicar o motivo, basta um nome e um sobrenome: Bahruz Samadov. Ele é um jovem pesquisador, de 30 anos, que acaba de ser injustamente condenado a 15 anos de prisão sob a acusação de alta traição. Sem dúvida, alguém pode se perguntar: “Mas o que isso tem a ver com a Europa?” – que, afinal, costuma ser o assunto dessa coluna. Esta crônica trata da Europa sob diversos aspectos. Primeiro porque, tecnicamente, o Azerbaijão faz parte da Europa. O país fica no Cáucaso, considerado a fronteira sudeste do continente. É banhado pelo Mar Cáspio, sua capital é a cidade de Baku e faz fronteira com a Geórgia, a Armênia – dois países também frequentemente incluídos no mapa político da Europa –, a Rússia, a Turquia e o Irã. É um país de maioria muçulmana xiita, mas com um governo, em princípio, laico. Além disso, o Azerbaijão é membro do Conselho da Europa, uma instituição que reúne quase todos os países do continente. E aqui podemos entrar no segundo ponto em que a Europa aparece nessa crônica: as relações entre líderes europeus e o governo azeri. Afinal, há países do continente que não integram o Conselho. A Rússia, por exemplo, foi expulsa após a invasão da Ucrânia. Belarus, por sua vez, jamais foi aceita. Em ambos os casos, o motivo é a cláusula democrática prevista pelo estatuto da organização, que, em princípio, só permite que lá estejam democracias. Então o Azerbaijão é uma democracia pujante? A realidade é mais complicada. País do ex-bloco soviético O Azerbaijão fez parte do Império Russo, depois integrou a União Soviética e, no início dos anos 1990, com o colapso do bloco socialista, se tornou um país independente. Seu primeiro presidente foi Heydar Aliyev, um homem forte da KGB nos tempos soviéticos, que depois passou o poder, em 2003, para o seu filho, Ilham Aliyev, que governa o país há 20 anos – e que inclusive colocou a própria esposa no cargo de vice-presidente. É verdade que o clã Aliyev tem apoio interno. O país cresceu muito nas últimas décadas, enchendo o bolso de alguns, apesar da desigualdade ter também aumentado. Isso dito, o apoio também é mantido pela perseguição a opositores e por um discurso nacionalista inflamado nos últimos três anos, quando o Azerbaijão iniciou uma controversa guerra com a Armênia pela região do Alto Carabaque. Trata-se de um território historicamente disputado – como tantos no antigo espaço soviético, onde fronteiras rígidas tentam separar povos que sempre viveram lado a lado –, e em 2023 o Azerbaijão forçou o êxodo da população armênia da região, num ato que muitos classificam como limpeza étnica. Mas, apesar de tudo isso, o Azerbaijão continua sendo tratado como um parceiro confiável. Por quê? Em grande parte porque Baku tem petróleo e gás. E petróleo e gás, como sabemos, podem em muitos momentos pesar mais do que compromissos com democracia e direitos humanos. Foi nesse contexto que Bahruz foi preso. Ele havia voltado ao Azerbaijão em agosto do ano passado para visitar sua avó, Zibeyde Osmanova, octogenária e única integrante viva da família. Era doutorando na Universidade Carlos, em Praga, e nunca se envolveu em qualquer ato de violência. Seu crime? Escrever colunas de opinião em inglês sobre política caucasiana e manter contato com outros ativistas pela paz – inclusive da Armênia. Isso foi o suficiente para ser acusado de traição e condenado a 15 anos de prisão. Na semana da condenação, ele tentou tirar a própria vida. Um colega de cela o salvou. Hoje, ele foi transferido para uma prisão numa região árida e isolada, em condições preocupantes. Bahruz se tornou um símbolo, um rosto para a repressão política no Azerbaijão. Mas está longe de ser um caso isolado: segundo organizações independentes, mais de 375 dissidentes estão atualmente presos no país, entre eles mais de 25 jornalistas, além de pesquisadores e ativistas forçados ao silêncio ou ao exílio. Silêncio A Europa, tão rápida em denunciar abusos quando a Rússia invadiu a Ucrânia, dessa vez ficou praticamente em silêncio. Quando o Azerbaijão inicia guerras e prende opositores, poucos reagem. Ao contrário: Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, trata Aliyev como um grande parceiro. No ano passado, o Azerbaijão sediou a COP29 – uma conferência do clima presidida por um país cuja riqueza vem do petróleo. E...
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